Meu amigo Bolão
Meu amigo Bolão

 

 

            _ Boa noite! Por gentileza, a senhora pode me informar em que quarto está o paciente que sofreu o acidente de trânsito?

            _ Qual paciente senhor?

            _ O meu amigo Bolão!

            _ Sinto muito senhor, mas não tem nenhum paciente com esse nome. O senhor sabe qual o sobrenome dele?

            _ Não. Mas todo mundo conhece o Bolão por Bolão, não tem sobrenome não. Acho que se tivesse, seria Bolão da Bola, a mulher dele.

            _ Então não posso ajudá-lo pois não colocamos apelidos nos prontuários. O senhor precisa de mais alguma coisa?

            _ Eu preciso ver meu amigo Bolão, que sofreu um acidente de trânsito. Fiquei sabendo que ele estava na mobilete dele e um escomungado do zinferno deu-lhe uma fechada, que o pobre rolou pra mais de trinta metros, o que não é nenhuma surpresa pois o Bolão mais parece com uma bola grande mesmo e acho que ele nem se machucou. É um homem conversador, se bem que dependendo do estado dele, não deve estar conversando muito né?

            _ Senhor, sem o nome ou sobrenome, fica impossível de localizarmos a ficha de entrada do paciente. Este hospital é o maior da cidade e só hoje foram mais de cem entradas no pronto-socorro, e ainda não é nem dez da noite.

            _ A senhora não me entendeu, eu estou procurando o Bolão. Quantos bolões têm hoje no hospital? Se tiverem dois, um deles é meu amigo, mas tenho certeza de que só tem um e é o nosso Bolão. Ok? Quando a Senhora conhecer o Bolão jamais se esquecerá dele, esse cara é o cara!

            _ Com certeza meu senhor, mas...

            _ Nem mais nem menos! Replicou uma velhinha que estava aguardando atrás de Jiló, o amigo do Bolão, dando início a pequena fila que já se iniciava na recepção do hall de entrada do Pronto-Socorro. _ Como assim, não tem como encontrar uma pessoa que deu entrada num hospital só porque não temos a carteira de identidade dele? Olha aqui mocinha, na minha juventude eu era Advogada e sei bem quais são os nossos direitos. Então se ele morrer, será enterrado como indigente e ninguém poderá visitar o amigo do nosso amigo aqui né?

            _ Alto lá minha senhora, não é bem assim não, no prontuário do paciente, segue escrito o nome de registro e se a pessoa tem documentos identificatórios, não tem problema algum, apenas não conhecemos os apelidos ou codinomes das pessoas. Mas podemos até propor uma nova ficha de entrada na Unidade Médica com o campo: "apelido". Vejo até como uma boa proposta, mas isso depende de tempo e precisaremos elaborar novos originais, propor ao Ministério da Saúde, onde na próxima licitação para aquisição de novos documentos e desde que já previamente aprovado pelo Ministro e seu Secretário, bem provavelmente haverá a possibilidade de se incluir mais esse campo de informação.

            _ Mocinha! Interrompe a velhinha, Dona Dirce era o nome dela. _ Mas pra quando mesmo é a próxima licitação?

            _ Não sei exatamente, quando é a próxima, mas....

            _ Mas o que menina, não enrola não.

            _ É que recebemos ontem a tarde o suprimento dos documentos da licitação anterior e ainda nem abrimos os pacotes.

            _ Sim. E pra quanto tempo é esse pacote? _ Dura quanto tempo pra acabar essa papelada toda? Já irritada D. Dirce perguntou.

            _ O suprimento é pra dez anos.

            Silêncio geral.

            Olhares difusos e desencontrados em torno do silêncio reinante no saguão.

            _ E aí, dá pra falar com o Bolão, ou ta difícil? Jiló mais calmo perguntou num tom mais amistoso.

            Simara, a recepcionista, observando a muvuca que estava se instalando na recepção, resolveu aparentemente se prontificar a resolver aquela situação.

            _ Bem, então vou ver o que posso fazer. Pegou sua prancheta de anotações e seguiu para o interior das instalações.

            Aí é que a coisa ficou bonita. Agora a fila já tinha mais de trinta pessoas solidárias ao Jiló e seu amigo do peito Bolão, que todos já conheciam mesmo sem terem sido apresentados.

            D. Dirce resolveu contar algumas de suas experiências de vida pra passar o tempo, pois a única atendente que estava de plantão naquela noite de domingo tinha se ausentado da sala e quando o gato sai..... os ratos fazem a festa.

            E começou a contar histórias desde sua adolescência, e passou pelos namoros, casamentos, faculdade, concurso público, alguns casos da profissão e por aí foi. Que memória a velhinha tem meu!

            O povo sentava-se no chão pra poder rir melhor, o saguão mais parecia um palco de teatro e a peça do dia era a boa vida de D. Dirce. Uma coisa inédita para aquele lugar.

            Quando Simara voltou com o Médico Chefe, já irritado por ter sido interrompido em seu momento de descanso e viu aquele teatro em seu plantão, subiu em um tamborete que ficava dentro da recepção e gritou: _ Silêncio! Silêncio!

            _ Sssssssss...... Em coro o povo virou-se pra ele com o dedo nos lábios cerrados. D. Dirce estava contando uma piada de hospital e não queria falar alto pra não ofender os profissionais. Quando ela concluiu, as gargalhadas foram duradouras e muita gente rolava no chão de tanto rir. Teve gente que nem precisou mais de dar entrada no hospital, pois já nem se lembrava do que tinha ido fazer por ali. Outros que estavam esperando a alta de algum amigo, já encontraram o paciente por ali mesmo e seguiram pra casa. Já eram mais de cento e vinte pessoas assistindo o show da D. Dirce. Eta velhina bacana. Por fim até mesmo o Médico Chefe já havia se sentado em uma confortável poltrona e assistia a aquele espetáculo gratuito de camarote.

            De repente a porta de folhas duplas se abriu e um silêncio hospitalar se iniciou naquele momento. Qual fora a surpresa de todos quando pela porta saiu uma figura ímpar, uma pessoa de mais ou menos uns 250 quilos, um gigante. O Bolão!

            _Bolão meu querido... E aí cara conta pra gente, o que aconteceu? Você está bem? Se machucou? Fala aí pô!

            _To legal meu! Aconteceu nada não. Foi só um susto.

            _Mas e o acidente?

            _Que acidente meu! Fui sentar na mobilete do Chicão e coitada não agüentou o gostosão aqui e desmontou toda. Aí quando eu sentei, ela dobrou no meio e espremeu meus documentos e você sabe né, eu sou meio grandão e pra me tirar de lá, só com os Bombeiros mesmo, daí quando eles chegaram com aquelas sirenes e luzes girando, foi coisa de televisão, tinha até helicóptero, mas no fundo mesmo, quem precisava de assistência, era a mobilete que morreu ali mesmo. Comigo tudo beleza, só foi uma beliscadinha no saco. Mas Bombeiros são todos iguais, tiveram que me imobilizar, colocar aquela mantinha brilhante, colocar na maca e levar pro hospital, só que pra levantar a maca..... Ah! Ah! Ah! Tiveram que chamar oito curiosos que estavam por ali.

            _Já tô liberado! Vamos embora? Prometo que não sento mais numa motocicleta.

            _Vamos!

            E fomos.