Chegou o dia mais esperado pelos curumins da tribo - o dia da Içá. Existe uma espécie de formiga que faz a festa da criançada na floresta, quando chega meados de setembro, isso no interior da floresta fechada, em que os formigueiros não comportam em seu interior tanta Içá, uma turma de Formigas Rainhas, que se desenvolvem para a procriação da espécie. Então quando chega essa época, saem dos ninhos e iniciam uma revoada pelo ar em busca de acasalamento. É onde começa a festa dos guerreirinhos Tupis.
Antigamente esse dia era conhecido como o dia das crianças, que não tem nada a ver com o 12 de outubro de hoje, onde o dia realmente era da criança. Os mais velhos se organizavam nas vésperas para proporcionar brincadeiras, gincanas e muita diversão para a criançada. O esmero com os detalhes era algo ímpar. Até hoje não se sabe quem se divertia mais, se os indiozinhos ou os marmanjos que preparavam os jogos. Os preparativos aconteciam na semana que antecedia o evento e a diversão já iniciava ali. Normalmente quem encabeçava as frentes de trabalho eram os jovens recém-saídos da infância e era quem mais se divertia durante a preparação.
Essa equipe recebia todo o apoio dos adultos, pois duas coisas eram valorizadas entre os Tupis além do amor que eles tinham por todos da tribo - os velhos e as crianças - sabiam que todos já tinham sido crianças e um dia haveriam de ficar velhos. Sapiência Tupi que até hoje é difundida em alguns povos orientais. E assim todos se envolviam naquela energia tão forte para fazer acontecer aquele momento marcante na vida dos tupizinhos.
Nos dias que antecediam o dia da Içá, Aram se recolhia em seus estudos espirituais e naquela semana era difícil encontrá-lo nos arredores da aldeia. Desconfia-se que ele se retirava para uma caverna que ficava bem distante da aldeia, umas 12 léguas até chegar ao vale que levava à base das montanhas, em um caminho secreto ele chegava na boca da caverna do Sol, que num outro momento do livro trarei para o conhecimento de todos. Um lugar mágico repleto de cristais e pedras preciosas que até hoje não foi encontrado pelos exploradores, ela ainda está intacta e o único homem que pisou em seu interior foi Aram.
As mulheres também já iniciavam um movimento para os preparativos da comilança da garotada e dos adultos também. __Não tem coisa mais gostosa do que Içá frita no óleo do Tucumã - dizia uma menina Tupi para a mãe - é gostoso demais mamãe! Coisa de Tupã mesmo! Uma das brincadeiras que se organizava estrategicamente nas primeiras horas do dia era a caça às Içás. Quando o Sol lançava seus primeiros raios diurnos, a terra começava a esquentar e os formigões saíam para seus primeiros vôos, era formiga "pra mais de metro". Tinha congestionamento no ar e não tem controlador de vôo que consiga organizar tamanho número de aeronaves, ou melhor de formigas no ar. E o mais incrível é que mesmo parecendo que elas tinham evoluções desordenadas, não havia colisão aérea, uma coisa incrível. Se fossemos fazer um desenho das curvas sinuosas que elas desenhavam no ares, daria um belo quadro abstrato composto de linhas cruzadas e aparentemente sem sentido, mas com uma aparente rota pré-traçada. Esquisito e inexplicavelmente, no final do dia, todas já haviam se copulado e cumprido sua inseta missão. Claro que estou falando daquelas que conseguiam se livrar dos puçás certeiros da molecada, pois essas virariam uma bela farofa de "bundinhas de Içás". As mães aguardavam ansiosas, com o óleo de tucumã bem quente, pelo fim da primeira brincadeira do dia pra iniciar o desjejum de toda a aldeia.
Os grupos eram formados por meninos e meninas e sempre liderados por um casal veterano da turma passada. Esses davam um jeito de envolver seu grupo de uma maneira tão intensa que eles se desdobravam e superavam todas as barreiras para se destacarem na pontuação do dia. Não é que tinha um prêmio ou coisa do gênero para os campeões, mas era algo que ficava na memória dos tupis, eles comentariam nas rodas de conversas durante um bom tempo e seria a melhor referência para a próxima turma. Os líderes eram chacoteados por alguns dias pela derrota e o vencedor lembrado como um bom líder e admirado pelos menores.
As brincadeiras eram das mais variadas possíveis e começava com a caça às içás e pleno vôo pois içá no chão era tarefa dos pequeninos que ainda não davam conta de participarem das atividades. Aqueles com menos de dois anos pegavam uns bornais feito em palha seca e prendiam as içás caídas no chão e que por algum motivo não mais levantavam vôo. Algumas até ensaiavam uma nova decolagem onde na maioria das vezes culminava em espetaculares capotagens. Içá no chão era um prato cheio para os esquilos (assim eram chamados os curumins menores de dois anos). Também chamavam os pequenos que já tinha mais de dois anos e ainda não completaram dez de lobinhos (Algumas décadas mais tarde um cidadão de nome Baden Power criaria a filosofia dos escoteiros onde as crianças são iniciadas como lobinhos - sabedoria Tupi).
Já imaginaram uma corrida de tanajuras (Içás) com coco de tucumã amarrado nas costas? Tinha também uma espécie de esporte mais parecido com peteca, eles retiravam as asas da formiga e as amarrava com crina de cavalo ou até mesmo com fios de cabelos das índias caprichosas que mantinham longas madeixas e montavam umas bolinhas com cerca de cincoenta formigas entorpecidas em uma solução feita com a seiva de um cipó, o mesmo utilizado na passagem dos guerreiros para a fase adulta feita com a luva de tucandeiras, aquilo mais parecia uma bola de tênis viva, as perninhas e as mandíbulas se mexiam vigorosamente e aquele movimento desconcentrado injetava adrenalina no sangue dos pequenos. Faziam uma grande roda e os que não cabiam no círculo ficava no meio dele e pronto, o líder jogava a bola de formigas para cima e aquele que deixasse cair estava fora e assim iam excluindo os menos corajosos e ágeis até que restasse apenas uma dupla. Esses dois finalistas disputavam uma espécie de linha de passe dando toques aéreos um para o outro, só que nesse estágio da brincadeira eles não podiam tocar a bolinha, que agora já tinha mais formiga morta que viva, com as mãos. Então quando a bolinha caía no chão tinham que pegar com a boca. Era uma algazarra quando aquelas crianças, com os braços amarrados pra trás tinham que se deitar ao chão e com a boca pegar a bolinha que ainda viva tentava se defender dando algumas ferroadas, as içás não tem veneno mais são da espécie das cortadeiras ou saúvas e possuem um belo par de lâminas eficientes no corte. Essa era a parte mais engraçada e esperada da brincadeira e que os protagonistas mais gostavam, pois demonstravam coragem e bom humor. Nesse momento os maiores e os velhos se agrupavam em torno da grande roda para rirem um pouco antes do almoço. Às vezes restavam um menino e uma menina, aí era mais engraçado ainda, principalmente quando a índia era mais corajosa ou sortuda que o índio que havia restado na disputa. E assim as brincadeiras transcorriam por todo o dia. A coroação do dia ficava por conta dos jovens veteranos que ao redor da fogueira faziam muitas palhaçadas do tipo imitação de animais, contação dos acontecidos durante o dia, estórias inventadas com finais surpreendentes e engraçados e muita cantoria.
Os Tupis sabiam viver alegres.
Mesmo havendo fogueira, nessa noite não havia ensinos de Aram.
Aram retornou revigorado das montanhas já ao anoitecer.