O dia tinha sido bem movimentado e todos estavam cansados, até mesmo as crianças haviam se entregue ao soninho da tarde, uma sesta tranqüila com o cantar dos passarinhos e o leve som que se ouvia da cachoeira que ficava a uns quinhentos metros de distância, uma tranqüilidade só.
Na tribo tupi, havia um índio muito inteligente, ou melhor, todos os Tupis eram inteligentes mas esse era diferente, uma pessoa bem criativa, tinha uma visão espacial fantástica, que sobressaia aos outros. Havia criado um tanto de ferramentas e utensílios que facilitava bem a vida da tribo. Inventou também os primeiros instrumentos musicais dos Tupis, as tímbias, feitas de cabaça e bambú, lembravam um berimbau mas tinha um som mais agudo e como não havia arame ele usava crina do rabo do cavalo, igual é feito hoje com os violinos e rabecas além de desenvolver algumas engenhocas. Mais parecia um "professor pardal" da floresta. Era muito admirado pelos outros pois resolvia os problemas do dia-a-dia e também era um exímio construtor de ocas gigantes. Suas estruturas desafiavam a gravidade não utilizando mastros centrais, dando assim mais mobilidade e espaço aos interiores das instalações. Sua oca tinha um sistema de iluminação natural direcionada conforme a luz do dia, além de ter instalação de água feita com bambus e acreditem, o primeiro chuveiro que se tem notícia. Seu nome? Pois sim, todos o conheciam por Jorchê. Até seu nome era diferente, não tinha nada a ver com os nomes indígenas, acredita-se que ele já tinha tido contato com o homem branco e teria adotado esse nome de algum deles. Jorchê não era um Tupi de verdade, havia aparecido na tribo ainda adolescente e não lembrava de onde viera e foi adotado pelos Tupis, sendo considerado por todos como um verdadeiro irmão, era muito querido por todos. Um bom índio.
A noite chegou e agora mais descansados, foram se banhar no rio para despertar o corpo e o espírito.
Já estava tudo preparado para o banquete sob a luz do luar. A fogueira no ponto de acender e os curumins se colocando nos melhores lugares, a melhor localização durante a fogueira era descobrir onde Aram se sentaria pois ele falava baixo e o barulho dos estalar dos gravetos queimando, abafava um pouco suas palavras e as vezes não dava pra entender uma ou outra parte de suas histórias. Às vezes ele falava baixo de propósito, para todos silenciarem e sentirem o som da natureza. E não é que a natureza tem som mesmo? Tem momento que nem mesmo os grilos cantam e nesse momento podemos ouvir o som de Deus. E ele brincava com a gente. Na tribo, durante o dia, Aram era muito brincalhão com os curumins. Por vezes se escondia sobre as árvores e chamava-os pelo nome e ninguém sabia de onde vinha aquele chamado, ele tinha uma técnica com os sons que parecia que estava em outro lugar e ninguém o encontrava.
Os visitantes começavam a se aproximar e se instalar ao chão ao redor da fogueira. Tinha mais de ciquenta pessoas sentadas e mais um tanto em pé esfregando as mãos para aquece-se na fria noite de lua cheia no centro da Floresta Amazônica. As mulheres se sentavam já com seus bebês no colo bem agasalhados e Aram chegou e sentou-se. Ficou em silêncio durante uns quinze minutos e com os olhos fechados, iniciou um canto xamânico e todos silenciaram e se concentraram. Ele se levantou, abriu os olhos e observou a todos um a um, após abriu um sorriso com a boca fechada e saudou a todos inclinando-se para frente e levantando as mãos para o céu.
_Em minha casa sempre há um lugar para um bom amigo e todos são meus amigos. Quando Tupã nos criou, nos fez por natureza irmãos e nossa casa não pode estar fechada para receber um irmão. É isso que ele quer, que sejamos amigos e próximos, trabalhando nossa alma para não aceitarmos com frieza o sofrimento do outro. Quando vemos um irmão cair num buraco na mata, a gente para nossa caminhada e socorre o outro. Quando um amigo está com panema e não consegue caça ou pesca, a gente divide a nossa e amanhã ele pode caçar e também dividir com a gente. Isso é o que nosso Pai quer de nós, União, nesse mundo fica mais fácil da gente caminhar junto com os outros pois de mãos dadas a gente se fortalece e supera qualquer dificuldade. Os animais na floresta também são assim, tem peixes por exemplo que são pequenos mas quando vêem um outro maior eles se juntam em milhares e ficam tão juntinhos que quem olha, parece um peixão e espanta o outro maior. As abelhas são parecido, quando elas atacam uma presa, também são em bando, um enxame de abelhas pode matar um elefante. Então meus amigos todo o momento é bom para praticarmos essas coisas.
Certa vez Tupã na sua grandiosa e imensurável sabedoria, criou Purumã, que como já ensinei foi o primeiro ser vivente da terra. E qual era a forma dele? Porumã tinha uma forma única, diferente de tudo o que haveria de ser criado aqui nesse planeta. Deus o criou com alguma semelhança com sua essência Divina, não criou com sua perfeição para que o homem pudesse se desenvolver e buscar ser melhor a cada dia e se viesse perfeito qual seria o propósito da vida? Então ele criou com o que tinha na terra, que era a própria terra, uma espécie de boneco com o formato de uma pessoa e colocou dentro dele um tanto de sua luz que pela consciência, vem aos poucos se aproximando dessa luz e graduando sua ligação com Deus. Depois colocou esse boneco em pé e com um sopro Divino deu-lhe vida, e Porumã iniciou sua caminhada pelo planeta. Depois eu contarei como chegou uma mulher para ele. Nesse dia Aram ensinou como iniciou toda a nossa história.
E a festança continuou pela noite a dentro.....
..... e Porumã caminhou pela terra durante muito tempo, aproveitando as maravilhas do Criador...